Yemojá ou YéYé Omo Ejá, a “Mãe cujos filhos são peixes”, era o orixá dos Egbá, a nação ioruba estabelecida outrora perto do rio Yemojá, no antigo reino de Benin. Devido a guerras, os Egbá migraram e se instalaram às margens do rio Ogun, de onde o culto a Iemanjá foi trazido pelos escravos para o Brasil, Cuba e Haiti.
Nesses países, Iemanjá passou a ser venerada como a “Rainha do Mar”, orixá das águas salgadas, apesar de sua origem ter sido “o rio que corre para o mar”, sua saudação sendo Odo-Yiá, que significa “Mãe do Rio”.
Analisando os nomes Ya / man / Ya e Ye / Omo / Ejá conforme a “Lei de Pemba” – a grafia dos orixás, postulada pela Umbanda, encontram-se os mesmos vocábulos sagrados que significam “Mãe das águas, Mãe dos filhos da água (peixes) e Mãe Natureza”.
Iemanjá é considerada o princípio gerador receptivo, a matriz dos poderes da água, a representação do eterno e Sagrado Feminino. Portanto, Iemanjá personifica os atributos da Grande Mãe, de padroeira da fecundidade e da gestação, inspiradora dos sonhos e das visões, protetora e nutridora, mãe que sustenta, acalenta e mitiga o sofrimento dos seus filhos de fé.
No entanto, por mais que Iemanjá seja reconhecida e venerada no Brasil, ela não representa a Mãe Ancestral nativa, que tenha sido cultuada pelas tribos indígenas antes da colonização e da chegada dos escravos.
Infelizmente, pouco se sabe a respeito das divindades e dos mitos tupi-guarani. A cristianização forçada e a proibição pelos jesuítas de qualquer manifestação pagã, destruiu ou deturpou os vestígios de Tuyabaé-cuáa, a antiga tradição indígena, a sabedoria dos velhos pajés.
Segundo o escritor umbandista W.W. da Matt, a raça vermelha original tinha alcançado, em uma determinada época distante, um altíssimo patamar evolutivo, expresso em um elaborado sistema religioso e filosófico, preservado na língua-raiz chamada Abanheengá, da qual surgiu Nheengatu, origem dos vocábulos sagrados dos dialetos indígenas.
Com o passar do tempo, a raça vermelha entrou em decadência e, após várias cisões, seus remanescentes se dispersaram em diversas direções. Deles se originaram os tupi-nambá e os tupi-guarani, que se estabeleceram em vários locais na América do Sul.
As concepções do tronco tupi eram monoteístas, postulando a existência de uma divindade suprema, um divino poder criador (Tupã) que se manifestava por intermédio de Guaracy (Sol) e Yacy (Lua) que, juntos, geraram Rudá (Amor) e, por extensão, a humanidade. O culto a Guaracy era reservado aos homens, que usavam os tembetá, amuletos labiais em forma de T, enquanto as mulheres veneravam Yacy e Muyrakitã, uma deusa das águas, e usavam os amuletos em forma de batráquios e felinos, pendurados no pescoço ou nas orelhas.
Guaracy era a manifestação visível e física do poder criador representado pelo Sol. Apesar deste astro ser considerado o princípio masculino na visão dualista atual, a análise dos vocábulos nheengatu do seu nome revela sentido diferente. Guará significa “vivente”, e cy é “mãe”, o que formaria a “Mãe dos seres viventes”, a força vital que anima todas as criaturas da natureza, a luz que cria a vida animal e vegetal. Também em outras tradições e culturas (japonesa, nórdica, eslava, báltica, australiana e norte americana), o Sol era considerado uma Deusa, o que nos faz deduzir que, para os tupi, a vida e a luz solar provinham de uma Mãe - Cy - que só mais tarde foi transformada em Pai.
Yacy era a própria Mãe Natureza, seu nome sendo composto de Ya (senhora) e Cy (mãe), a senhora Mãe, fonte de tudo, manifestada nos atributos da Lua, da água, da natureza, das mulheres e das fêmeas.
Cy - ou Ci - representa, portanto, a origem de todas as criaturas, animadas ou não, pois tudo o que existe foi gerado por uma mãe que cuida da sua preservação, do nascimento até a morte. Sem Cy (mãe), não há nem perdura a vida, pois ela é a Mãe Natureza, o principio gerador e nutridor da vida.
Na língua tupi existem váris nomes que especificam as qualidades maternas: Yacy, a Mãe Lua; Amanacy, a mãe da chuva; Aracy, a mãe do dia, a origem dos pássaros; Iracy, a mãe do mel; Yara, a mãe da água; Yacyara, a mãe do luar; Yaucacy, a mãe do céu; Acima Ci, a mãe dos peixes; Ceiuci, a mãe das estrelas; Amanayara, a senhora da chuva; Itaycy, mãe do rio da pedra, e tantas outras mães – do frio e do calor, do fogo e do ouro, do mato, do mangue e da praia, das canções e do silêncio. As tribos indígenas conheciam e honravam todas as mães e acreditavam que elas geravam seus filhos sozinhas, sem a necessidade do elemento masculino, atribuindo-lhes a virgindade - o que também em outras culturas simbolizava sua independência e auto-suficiência. Em alguns mitos e lendas, as virgens eram fecundadas por energias luminosas em forma de animais (serpente, pássaro, boto), forças da natureza (chuva, vento, raios), seres ancestrais ou divindades.
A explicação da omissão, na mitologia indígena, do elemento masculino na criação era o desconhecimento do papel do homem na geração da criança, além do profundo respeito e reverência pelo sangue menstrual que, ao cessar “milagrosamente”, se transformava em um filho. Somente pela interferência dos colonizadores europeus e pela maciça catequese jesuíta que, na criação do homem, o pai assumiu um papel preponderante, o filho tornou-se o segundo na hierarquia, salvador da humanidade - como Jurupary, e à Mãe coube apenas a condição de virgem. Porém, apesar do zelo dos missionários para erradicar os vestígios dos cultos nativos da cultura indígena e dos escravos, muitas de suas tradições sobrevivem nas lendas, nos costumes folclóricos, nas práticas da pajelança e encantaria que estão ressurgindo, cada vez mais atuantes, saindo do seu ostracismo secular.
Um outro arquétipo da Mãe Ancestral é descrito no mito amazônico da Boiúna, a Cobra Grande, dona das águas dos rios e dos mistérios da noite. Apresentada como um monstro terrível que vive escondido nas águas escuras do fundo do rio e ataca as embarcações e pescadores, a Boiúna ou Cobra Maria é, na verdade, a Face Escura da Deusa, a Mãe Terrível, a Ceifadora, que tanto gera a vida no lodo como traz a morte, no eterno ciclo da criação, destruição, decomposição e transformação.
Outro aspecto da Mãe Escura é Caamanha, a “Mãe do Mato”, que protege as florestas e os animais silvestres, e pune, portanto, os desmatamentos, as queimadas e a violência contra a Natureza. Pouco conhecida, ela foi transformada em dois personagens lendários: Curupira e Caapora.
Descritos como seres fantasmagóricos, peludos, com os pés voltados para trás, às vezes com um aspecto feminino, são os guardiões das florestas, que levavam os caçadores e invasores do seu habitat a se perderem nas matas, punindo-os com chicotadas, pesadelos ou até mesmo a morte.
Nas lendas guarani relata-se a aparição da “Mãe do Ouro”, que surge como uma bola de fogo ou manifesta-se nos trovões, raios e ventos, mostrando a direção da mudança do tempo.
Em sua representação antropomórfica, ela torna-se uma linda mulher que reside em uma gruta no rio, rodeada pelos peixes e de onde se estende nos ares como raios luminosos, ou então surge na forma de uma serpente de fogo, punindo os destruidores das pradarias. Em sua versão original, ela era considerada a guardiã das minas de ouro, que seduzia os homens com seu brilho luminoso, afastando-os das jazidas. Seu mito confunde-se com o do Boitatá, uma serpente de contornos fluídicos, plasmada em luz com dois imensos olhos, guardando tesouros escondidos, reminiscência dos aspectos punitivos da Mãe Natureza, defendendo e protegendo suas riquezas.
A deturpação cristã do mito punitivo pode ser vista na figura da “Mula sem Cabeça”, metamorfose da concubina de padre, que assombra os viajantes nas noites de sexta-feira (dia dedicado, nas culturas pagãs, às deusas do amor, como Astarte, Afrodite, Vênus, Freyja) e do Teiniágua, lagarto encantado que se transforma em uma linda moça para seduzir os homens, desviando-os dos seus objetivos.